Brexit: o futuro roubado

An EU official hangs the Union Jack next to the European Union flag at the VIP entrance at the European Commission headquarters in Brussels on Tuesday, Feb. 16, 2016. British Prime Minister David Cameron is visiting EU leaders two days ahead of a crucial EU summit. (AP Photo/Geert Vanden Wijngaert)
AP Photo/Geert Vanden Wijngaert

Londres, 24 de Junho 2016

Hoje o dia amanheceu ensolarado em Londres. Mas a cidade nunca pareceu mais cinzenta. Paira no ar da cidade que votou 59.9% a favor da permanência do Reino Unido na União Europeia um sentimento de impotência, uma tristeza profunda e muito receio do que está por vir após o resultado confirmando o Brexit.

Mas o que de fato é o “Brexit”? Em 1975, os cidadãos do Reino Unido votaram em um referendum a favor da unificação com a Comunidade Econômica Europeia. Em sua campanha eleitoral de 2015, o atual Primeiro Ministro do Reino Unido, David Cameron, do Partido Conservador, em meio à pressão por parte de seu partido e aliados, prometeu que, caso fosse eleito, convocaria um novo referendum para decidir a permanência do Reino Unido na União Europeia. Cameron se elegeu em 2015 para o seu segundo mandato como primeiro ministro, e, como prometido, organizou o referendum para o dia 23 de Junho de 2016. O referendum ficou conhecido como “Brexit”, ou “Saída do Reino Unido” [da União Europeia].

Apesar de ser um membro do Partido Conservador, uma das bancadas que, historicamente, fez campanha a favor do “Brexit”, Cameron lançou a campanha do partido pela permanência do Reino Unido na União Europeia. Após o resultado a favor da saída do Reino Unido e o pronunciamento de Cameron renunciando ao cargo de primeiro ministro, ficou claro que Cameron não imaginava que o resultado seria a favor do Brexit. Ele prometeu o referendum como uma forma de assegurar aos membros mais conservadores do seu partido e da sociedade em geral que seus votos conservadores estavam em boas mãos. Assim, ele ainda posaria de “bom cidadão” ao dar uma chance ao povo britânico de se pronunciar. Uma decisão de campanha arriscada e, até certo ponto, brilhante, não fosse o resultado de hoje provando que a escolha foi, na verdade, um tiro no próprio pé.

A campanha a favor do Brexit, como em muitas outras partes do mundo onde atualmente temos importantes campanhas políticas com consequências político-econômicas difíceis de mensurar, foi, na minha opinião, focada em fazer desse voto uma catarse emocional em vez de uma decisão baseada em fatos. Os argumentos foram apresentados como se o Reino Unido tivesse que recuperar uma soberania que teria sido perdida e, principalmente, deram uma falsa impressão de que essa ruptura seria fácil, indolor e economicamente positiva para o Reino Unido, quando de fato especialistas previam exatamente o contrário.

AA Gill fez uma reflexão brilhante sobre o argumento a favor do Brexit, usando o divórcio como uma metáfora para ilustrar que a maioria das pessoas que votariam a favor do Brexit estaria iludida por imaginar que esse processo seria fácil. Só que essa será uma separação dolorosa e principalmente muito custosa. Não se desfaz uma estrutura político-econômica construída em quatro décadas em dois anos. Ao contrário do que muitos a favor do Brexit acreditam, o Reino Unido não poderá “pick and choose” o que lhe for mais favorável entre as facilidades que a União Europeia oferece.

O resultado traz muita instabilidade para todo o continente. O mercado financeiro já deu sinais de que a decisão não foi positiva, com a libra esterlina atingindo seu valor mais baixo dos últimos 30 anos. Escócia e Irlanda do Norte, dois países membros do Reino Unido que votaram contra o Brexit, estão avaliando suas posições políticas após o resultado. A Primeira Ministra da Escócia, Nicola Sturgeon, anunciou que um novo referendum pela independência da Escócia do Reino Unido (para que o país possa permanecer na União Europeia) é “bem provável”.  A Irlanda do Norte, única parte do Reino Unido que possui fronteira com um país parte da União Europeia (República da Irlanda) também está considerando suas opções após o resultado. Angela Merkel, chanceler alemã, fez um pronunciamento afirmando que “As consequências desta decisão [Brexit] vão depender do quão dispostos os outros 27 países estão em evitar conclusões simplificadas e precipitadas sobre resultado a fim de evitar dividir a Europa ainda mais”.

Eu moro em Londres, um dos poucos lugares da Inglaterra que votou majoritariamente contra o Brexit. Não conheço ninguém que tenha votado a favor. Meus amigos ingleses estão com uma sensação de futuro roubado. Eles também estão se sentindo envergonhados de “cuspirem no prato” generoso que os proporcionou bolsas estudantis, mobilidade e, com isso, muito mais possibilidades. É como se eles fossem livres e hoje acordaram presos a um país que não os representa. O sentimento é de que essa maioria conservadora, mais velha, que lida mal com multiculturalismo e terá que viver poucos anos com as consequências desse resultado não deveria ter tido a oportunidade de votar em algo que afetará apenas uma pequena parte de suas vidas.

Eles são chamados de geração “baby boomers“. Nasceram no pós-guerra, aproveitaram o boom da economia mundial, tiveram empregos bons desde jovens e têm dificuldade de entender que os problemas enfrentados atualmente pelo Reino Unido não são, necessariamente, consequência de fazerem parte da União Europeia. Essas pessoas que apoiam o Brexit com a esperança de que esse passado glorioso voltará ignoram que isso é, na verdade, impossível. Tenho uma amiga nessa situação. Os pais dela votaram pela saída da União Europeia. “Mas eles querem continuar com os planos de se aposentarem na Espanha”, ela disse. Algumas pessoas, por outro lado, estão dando entrada em passaporte irlandês para terem um passaporte da União Europeia.

Os jovens estão realmente buscando uma explicação para esse resultado. Uma amiga falou: “eles vão encontrar umas caixas com votos contra que ficaram perdidos”. O desespero para entender o resultado faz com que nos perguntemos porque, por exemplo, a Rainha não se posiciona, ou mesmo veta a decisão. A rainha, na verdade, sempre fica o mais distante possível — na frente das câmeras — dos assuntos políticos. Afinal de contas, o Reino Unido é um país democrático.

A única convicção que temos após o resultado é de que temos muita incerteza pela frente. O continente tem experiência em guiar outros países rumo à unificação e nenhuma experiência em se desvencilhar de antigos membros. Aos que votaram a favor do Brexit com a esperança de tornar o Reino Unido “melhor de novo”, espero que se contentem com um Reino menos Unido e estejam preparados para lidar com a frustração que acompanhará um dispendioso e doloroso processo de afastamento.

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livia-campello

Lívia é socióloga e mestra em políticas públicas internacionais. Interessa-se por assuntos relacionados à política nacional, internacional, direitos humanos e ao meio ambiente.

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2 comentários

  1. Ei, calma lá, o Temer não tem nada a ver com isso… Que mania é essa que generalizar todos os assuntos e criticar o Temer??? Você não é brasileira, quer que o país quebre de vez??? O PT já provou que não tinha condições morais nem técnicas de continuar no poder. Não sou defensor do Temer, mas acho ridículo ficar jogando o nome dele em qualquer buraco.
    Quanto aos ingleses, isso se chama “orgulho”, ou “nacionalismo”, como quiserem. Vão pagar muito caro por esta decisão idiota.

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