Cidade-passagem

Eu moro em uma cidade-passagem.

Desde cedo, aqui, a gente aprende que, quem é bom mesmo e sonha alto, vai embora um dia. Depois de certa idade, é até ofensivo encontrar com antigos conhecidos nas ruas.

-Por que você habita esta cidade que já deveria ser habitada por outras gerações?

É um eterno pisar em ovos, quando se quer saber da vida daqueles que você não vê há anos. Ninguém sabe como lidar com os que, por algum motivo, continuam a insistir em morar na cidade-passagem.

-Mas você AINDA está morando aqui? Perdeu o bonde da vida?

A vida não acontece aqui. Na cidade-passagem se cria um tempo/espaço alternativo em que tudo fica em suspenso. A vida “de verdade” só começa a acontecer quando você sai, cria novos vínculos de amizade, arruma um novo emprego e frequenta outros bares. Ou seja, quando você faz exatamente o que você fazia aqui, mas em outro lugar. De preferência, bem longe.

Inclusive, está comprovado: quanto maior a distância da sua antiga cidade-passagem, melhor colocado no ranking da vida você está. Quanto mais tempo você passa fora, também. Morrer na Lua, então, talvez seja o grande objetivo de grande parte daqueles que deixam a cidade-passagem em busca da vida real.

Depois de três anos fora da minha cidade-passagem — e, talvez, eu precise dizer isso só para justificar minha atual estada — é difícil encontrar alguém que se sinta plenamente satisfeito por estar aqui. Mas, igualmente difícil, é este incômodo ser genuinamente um problema da cidade. Normalmente, é justamente a pressão por sair que deixa todo mundo meio alerta, meio se desculpando pelo tempo perdido, meio achando que tem que partir a qualquer momento e antes que seja tarde.
Afinal, aqui, as ruas têm outros sentidos. As árvores sombreiam outros contornos. As pessoas falam em outros tons. O sangue que percorre as veias ganha outra textura, que deixa todo mundo em uma lenta movimentação. Arrastada. Demorada.

A pulsação da cidade-passagem só não cessa por completo porque é preciso haver um último impulso. Pra sair dela.

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Originalmente publicado em: https://medium.com/@sara_aras/cidade-passagem-7f998b898611

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Clara Câmara

Clara é jornalista e internacionalista. Doutoranda em Comunicação, pesquisa jornalismo político, com ênfase na cobertura de escândalos. Mas, na hora de escrever com o coração, prefere os temas ligados às desventuras nem sempre divertidas da vida "adulta".

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