Competição passiva

Nossa, precisamos falar sobre competições que entramos sem querer.
Isso acontece quando, sem motivo aparente, alguém decide que você é um objetivo que precisa ser superado. Assim mesmo, como quem acorda no meio da madrugada com uma cãibra filha da puta na batata da perna e se pergunta o que fez pra merecer tamanha desventura: DO NADA.
E aí você se vê na péssima situação de ter que competir com alguém só porque esse alguém acha que é melhor do que você e quer mostrar isso pro mundo. Mas, relembrando um ponto importante dessa competição passiva, você não estava achando nada de nada, até então.
Eu sou uma pessoa que odeia competição. O motivo clássico pra isso, dizem, é o medo de perder. Não sei se tem outros motivos, mas reconheço, eu tenho verdadeiro PÂNICO de derrotas. Não jogo nem jogo de tabuleiro, com medo de perder. Preciso lidar com essa questão, eu sei. De vez em quando, até abro uma aba anônima no meu navegador e busco uns textos de autoajuda, “como saber perder”, essas coisas. Fecho rápido, com medo de ser descoberta. Acho que eu penso que, se eu perder o meu medo de perder, vou perder duplamente. Mas, isso, sou eu e não é assunto pra agora.
Apenas avaliem o tamanho do desespero quando alguém entra em competição passiva comigo. Eu não posso sair do jogo; mas eu não queria nem entrar!
Mas aí que está o grande lance: pra tentar sair da competição passiva, você tem que aceitar que entrou nela e encarar os desafios. É tipo Jumanji. Na verdade, é tão Jumanji que apresenta todos os inconvenientes. Primeiro, a competição suga você pra um universo indesejado, de sentimentos controversos e, em maioria, ruins. Segundo que, invariavelmente, alguém sempre se fode muito, até que se consiga finalizar o jogo. As provas, então, nem se fala. Sem qualquer dica a respeito das regras da competição, os obstáculos vão surgindo na sua frente e você tem que lidar com eles.
Além disso, você tem que pensar rápido, porque a competição acontece a todo momento, e a qualquer tempo você vai ser recrutado a dar o seu melhor lance.
Ainda não visualizou o que é uma competição passiva? Então tá.
O que você tem que ter em mente, inicialmente, é que nunca vai haver uma declaração oficial de competição. A magia da competição passiva está no que não é declarado. Imagina, agora, que você está em uma reunião de trabalho. Seu colega recém autoproclamado seu oponente diz uma frase atravessada, em um tom condescendente, sobre um trabalho que vocês estão fazendo juntos mas ainda não concluíram. Qualquer coisa, pode ser um: “Mas eu já te disse que tinha que ser feito assim”. Sorrisos. E muda de assunto.
Claro, mudar de assunto é a tática number one de quem entrou em competição passiva com você e quer fingir que não entrou. A pessoa joga UMA BOMBA, uma insinuação, um tópico superquestionável e que você, certamente, iria querer fazer alguma objeção. Mas ela joga rápido, tão rápido que, quando você percebe, o assunto já foi alterado e você não se pronunciou.
Epa, epa, epa. O que você disse? Volta lá, eu quero falar. Eu quero explicar que na-da foi dito anteriormente, e que eu tinha muitas questões com a maneira como esse trabalho deveria ser feito e, por isso, não acatei.
Não pode, não dá. É um jogo e a sua vez de jogar passou batido. Você pode até tentar, mas não vai sair do jeito que você imagina. Sabe o que vai acontecer?
Suspiros. Um grande “ah, mas eu falei de boa, não era pra ficar tão chateado com isso”. Não era pra ficar tão incomodado com essa coisa miniminúscula tiquinha um pedacinho de nada que eu falei e já até mudei de assunto de tão insignificante na minha vida. Por que você ainda quer falar sobre isso? Nossa, eu nem lembrava mais que tinha dito isso…
Entendeu? E aí você tem uma plateia, não pode responder de qualquer jeito. A menos que você queira perder pontos.
É um jogo, camarada. E, garanto, não tem nada a ver com o trabalho. Ou a reunião de trabalho. Ou metas. Na verdade, não tem nem nada a ver com você.
A pessoa que entrou em competição passiva com você não tem exatamente um objetivo específico em relação ao que quer de você. Ela não é um vilão da Marvel que quer destruir você e sua família, não quer sua humilhação pública, não quer expor seus podres. Ela não quer nada de você.
Aliás, quer. Quer que você exista para ela poder existir também.
E quando é assim, companheirx, não tem muito o que fazer. Não tem mantra de beijinho no ombro que dê jeito. Não tem texto contra inveja no Facebook, não tem declaração de amor próprio, de sou mais eu, de sou menos tu, de somos todos iguais, de mais amor menos guerra, nada. Tudo vira uma grande piada de mau gosto (em parte, claro, porque é mesmo).
Mas o tempo passa. E, com uma boa dose de paciência, a competição passiva parece acabar da mesma maneira que começou. E, então, você começa a perceber que muito do Jumanji estava na sua cabeça.
Será?
Era um grande moinho de vento e você acaba por ser o Dom Quixote. Ou então é tipo naqueles episódios de Scooby Doo, quando vão desmascarar o vilão. Tiram a máscara e CRAU. Era você, o tempo todo.
Daí você repassa na sua cabeça todos os momentos. As frases, os sorrisos, os gestos, grandes e pequenos. Não tem mais nada lá. Não tem mais a maldade, a pegadinha, a armadilha pronta pra fazer você cair. Só tem um lapso de tempo, em que você interpretou da pior maneira possível todos os acontecimentos. Você reconta as histórias e ninguém percebe o que havia de tão errado. Você tenta apontar os detalhes capciosos, mas soa ridículo. Exagero, dizem. Coisa da sua cabeça.
Muitas vezes, é. Outras, é mais uma tática de quem te faz entrar em competição passiva.
Quem está certo? É essa a “graça”, não tem como saber.

*Texto publicado originalmente em: https://medium.com/@sara_aras/competição-passiva-9dff1b954cd3


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clara-camara

Clara é jornalista e internacionalista. Doutoranda em Comunicação, pesquisa jornalismo político, com ênfase na cobertura de escândalos. Mas, na hora de escrever com o coração, prefere os temas ligados às desventuras nem sempre divertidas da vida "adulta".

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