Quem foram as suffragettes?

No dia 24 de dezembro, estreou no Brasil o filme “As Sufragistas” (Suffragette), dirigido por Sarah Gavron e escrito por Abi Morgan. Misturando personagens reais e ficcionais, o filme conta um pouco da história das suffragettes, grupo de mulheres britânicas militantes de uma das primeiras organizações feministas em prol do voto feminino, a Women’s Social and Political Union – WSPU. Para quem quiser assistir ao filme sabendo um pouco da história real do movimento, o Pandora faz uma breve contextualização.

Protesto organizado pela WSPU, no centro de Londres.
Protesto organizado pela WSPU, no centro de Londres.

Os movimentos sufragistas surgem em momento posterior à Revolução Industrial. A mudança brusca das relações sociais e a introdução do trabalho feminino nas fábricas despertou em muitas mulheres a vontade de opinar nas decisões políticas e na escolha dos seus governantes. Diante da negação desses direitos, e com a influência dos ideais liberais predominantes na época, mulheres de diversos países do mundo ocidental passaram a se organizar na reivindicação pela participação política feminina.

No plano teórico, muitas dessas ativistas se inspiraram nas ideias do filósofo e jurista John Stuart Mill, que advogava pelo direito ao voto para as mulheres. Em 1866, Mill apresentou ao Parlamento uma emenda assinada em conjunto com Sarah Emile Davis e Garret Anderson, que dava direito ao sufrágio às britânicas. A emenda foi derrotada por ampla maioria. Em 1884, uma nova emenda foi apresentada e novamente rejeitada. Todavia, esse pedido deixou diversas mulheres com o desejo de participar das decisões políticas do país.

Então, em 1897, Millicent Garret Fawcett e Lydia Becker fundam a National Union of Women’s Suffrage Societies – NUWSS, organização com o intuito de realizar um lobby político capaz de convencer a aprovação do voto para as mulheres. Emmeline Pankhurst e outras que compunham esse grupo, no entanto, acabaram se frustrando com os métodos pacíficos e sem resultados utilizados pela organização. O NUWSS queria conquistar seus objetivos por meio da conscientização e da boa vontade dos políticos e da opinião pública, que seriam convencidos da justeza das suas reivindicações. Porém, essa estratégia foi ineficaz. Enquanto as britânicas aguardavam essas mudanças, países como Nova Zelândia e Austrália já passavam a conceder o direito ao voto às mulheres. Por esse motivo, em 1903, Emmeline rompe com a NUWSS e cria a WSPU.

Emmeline Pankhurst (1858-1929) nasceu em Manchester e estudou na École Normale de Paris. Era também casada com um advogado defensor da igualdade das mulheres. A WSPU, organização que criou, tentou radicalizar os métodos utilizados até então pelo movimento sufragista. Ficaram conhecidas popularmente como “suffragettes”, um substantivo jocoso atribuído pelo Daily Mail que as suas militantes passaram a incorporar espontaneamente.

Emmeline Pankhurst sendo presa enquanto tentava apresentar uma petição ao rei no Palácio de Buckingham, em 21 de maio de 1914.
Emmeline Pankhurst sendo presa enquanto tentava apresentar uma petição ao rei no Palácio de Buckingham, em 21 de maio de 1914.

Além de publicar jornais semanais (Votes for Women e depois The Suffragette), organizar reuniões públicas em Londres e liderar passeatas até a House of Commons, as mulheres que faziam parte da Liga utilizavam de métodos de violência e sabotagem, que as tornaram mundialmente conhecidas. Elas confrontavam a polícia, interrompiam reuniões políticas abertas, quebravam vidraças de lojas e casas, destruíam obras de arte em galerias públicas, incendiavam imóveis abandonados e cabines telefônicas, atacavam as casas de políticos e membros do Parlamento e chamavam a atenção se acorrentando em grades de prédios públicos. O lema da WSPU era “Deeds not words” (“Ações e não palavras”), o que significava que utilizariam de todas as estratégias possíveis para alcançarem o que almejavam.

A partir de 1908, as militantes da WSPU também começaram a usar das cores para identificar as apoiadoras da campanha pelo voto. Recomendavam às militantes o uso das cores violeta, branca e verde, que representavam, respectivamente, a dignidade, a pureza e a esperança, como forma de serem reconhecidas em público e mostrarem a defesa da causa.

Emmeline Pankhurst e outras militantes foram presas sucessivas vezes e continuavam a protestar na prisão, fazendo greves de fome. Emmeline se submeteu a pelo menos 10 greves de fome. Também se juntaram à luta suas duas filhas, que eram tão enérgicas quanto ela, Christabel e Sylvia Pankhurst.

Annie Kenney (à esquerda) e Christabel Pankhurst (à direita).
Annie Kenney (à esquerda) e Christabel Pankhurst (à direita).

Em 1911, o sufrágio ainda não havia sido conquistado. As suffragettes se tornaram, então, cada vez mais impetuosas e passaram a implementar seus métodos mais polêmicos (incêndios e uso de bombas, cortes a linhas telefônicas, destruição de obras de arte). Uma das atitudes mais extremas de suas militantes aconteceu em junho de 1913, quando Emily Wilding Davison, por conta própria, atirou-se na frente do cavalo do rei durante uma prova hípica para chamar a atenção para a causa. Davison se feriu gravemente, vindo a falecer poucos dias depois e se tornando a primeira mártir do movimento. O seu enterro resultou em protestos violentos, causando uma verdadeira guerrilha urbana.

Suffragette acorrentada em grade, protestando pelo voto.
Suffragette acorrentada em grade, protestando pelo voto feminino.

O que diferenciava as suffragettes de outros grupos sufragistas eram seus métodos de reivindicação. Outros grupos também tinham os mesmos argumentos discursivos: exaltavam as qualidades das mulheres e lutavam por um novo papel para estas na sociedade, mas usavam outras estratégias para lutar pelo que queriam. Foi a agressividade da WSPU que a tornou o grupo sufragista mais popular do mundo e também tornou a luta pelo voto amplamente conhecida. É bem verdade que as suffragettes também foram vistas com desconfiança e antipatia pelo uso de métodos violentos, mas foi dessa forma que o movimento começou a ser levado a sério pelos políticos e pela imprensa, recebendo destaques em jornais de todo o mundo, incluindo o Brasil.

Antes da Primeira Guerra Mundial, pelo menos 100 suffragettes haviam sido presas. Com o início da Primeira Guerra, as militantes passaram a se focar no apoio à Grã-Bretanha durante esse período, incentivando que as mulheres trabalhassem nos postos masculinos como forma de ajuda para custear o conflito e para sustentar a população. Essa atitude deu uma nova cara ao movimento, que passou a ser visto de maneira positiva pela opinião pública e também mostrou a capacidade das mulheres para exercerem atividades antes tradicionalmente realizadas pelos homens.

A NUWSS continuou tentando o lobby constitucional até conquistar parcela do Parlamento, que aprovou o voto feminino, para as mulheres com mais de 30 anos, em 06 de fevereiro de 1918. A importância das suffragettes na luta pelo voto feminino, entretanto, foi inquestionável e também foi fundamental para incutir no imaginário popular a força da organização coletiva de mulheres, algo que permanece e permanecerá para sempre na história mundial.

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mariana-nobrega

Mariana é doutoranda em ciências criminais e mestra em ciências jurídicas. Pesquisa sobre direitos humanos, teorias feministas e criminologia. Também é servidora pública e mais uma advogada de araque neste país de direitoloides.

Politicário

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