A nova velhice

Certa feita tive um lampejo de autoconsciência e me dei me conta que eu e todos meus companheiros e companheiras de geração nos tornamos novos velhos.

Meu piercing na cartilagem da orelha não se usa mais, e ele virou o sinal de uma juventude parada em outra época, assim como o visual da minha amiga que usa tênis Adidas Star e cinto de tachinhas, ou aquele amigo que tem tatuagem tribal e ainda acha cool usar regata do Lakers. Somos como aquele senhor grisalho hippie que víamos nos anos 1990, só que novos velhos repaginados.

Neste momento faz todo o sentido usar frases iniciadas com “no meu tempo”, pois de fato já existem situações que nunca mais serão vividas, como ter de fazer manobras corajosas e ousadas para iniciar uma paquera com alguém que no máximo você quer conversar rapidinho e dar um beijinho.

Só o decorrer dos anos tornou possível a percepção que aquele meu companheiro de geração tem tara por adolescente. Porque aos 20 anos ele ficava com colegial: ok. Aos 22 anos: ok. Aos 25 anos: eeeerrr. Aos 30 anos: peraí, que ficou estranho. E isso vai se seguir para todo o sempre, chegando logo o momento que ele chamará as mulheres da mesma idade de “coroas”. Só sendo uma nova velha, conhecendo novos velhos, para descobrir essa nova faceta de personalidade que irá ser uma realidade na nova vida de nova velha.

Depois de ligar rapidamente a televisão, notei que todas as mocinhas do tempo em que eu assistia novela agora são personagens mães de novas atrizes adultas e mocinhas. Luana Piovani falou tanta besteira que esqueceram que ela é bonita e era musa nos anos 1990. Também outra vez me surpreendi porque não sabem mais que Shakira cantava verdadeiros sucessos em espanhol e que ela ficava muito melhor de cabelo preto.

As aparências deixaram de enganar e eu me senti imunda quando lembrei que já tive sonhos eróticos com Dado Dolabella – mas fico aliviada porque não imagino mais Jesus Cristo fazendo uma fiscalização quando penso ou realizo manobras potencialmente pecaminosas. A idade dá conta de nos libertar dessas amarras.

Uma pessoa nova velha me disse que hoje em dia as músicas são todas ruins. Dei uma sacada na playlist do Spotify dela e encontrei “grandes clássicos” de Linkin Park e Nickelback. Pausa. Qualquer porcaria que se ouvia na adolescência ganha um status duvidosamente elevado mais de uma década depois.

Comentários como “você está muito bem para a sua idade”, “ah, você não é tão nova assim” começam a surgir. Não perdoam mais os nossos erros de principiante. Chorei em público outro dia, mas ainda-bem-que-dizem-que-pareço-mais-nova. Uma hora quero ter filho, mas aguarda mais um momento que estou a fim de ficar bem louca antes. Será que ficará muito bizarro e notarão se eu aplicar um botox entre as sobrancelhas?

Dá licença, que agora posso passar mensagens de sabedoria? Está tudo indo ladeira abaixo, mas antes descer do que subir uma ladeira.

 

 

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mariana-nobrega

Mariana é doutoranda em ciências criminais e mestra em ciências jurídicas. Pesquisa sobre direitos humanos, teorias feministas e criminologia. Também é servidora pública e mais uma advogada de araque neste país de direitoloides.

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