Como pedalar pode melhorar a sua cidade

Com as celebrações natalinas de 2015 ainda frescas na memória e observando os presentes que as crianças ganham atualmente, lembrei-me da minha época de criança, onde 9 entre 10 meninos pediam pelo menos uma vez para o Papai Noel (aquele porco capitalista) uma bicicleta de presente.

O que atualmente pode ser considerado por muitos pais da capital paulista como o indício da aparição de um comunistinha petralha, era para a minha geração um dos primeiros símbolos de liberdade. Afinal, com a magrela era possível apostar corrida, aprender a empinar e locomover-se pelo bairro com maior facilidade, já que, ao contrário do carrinho de rolimã, bike não anda só na descida. Hoje em dia, a maioria das crianças prefere ganhar um tablet, um Playstation 4 ou qualquer outra novidade tecnológica. Já o número de adultos que decidiu optar pelas magrelas como meio de transporte só aumenta a cada ano.

Todas as grandes cidades brasileiras enfrentam problemas de mobilidade, fruto da falta de planejamento na expansão urbana, especulação imobiliária, pouco investimento em transporte público de qualidade, entre outros fatores. Diante deste cenário e somando-se aos anos de incentivo governamental (municipal, estadual e federal) ao transporte motorizado individual, reduzindo o IPI, construindo túneis e viadutos, desapropriando imóveis para duplicar vias, entre outras soluções urbanas que normalmente já nascem defasadas, qual parece ser a melhor solução? Comprar um carro.

O problema está justamente no incentivo a esse transporte. Você tem todo o direito de comprar um carro, mas infelizmente não existe espaço suficiente para que todos trafeguem em seus automóveis ao mesmo tempo, fato que diariamente acontece e chama-se congestionamento. Então, ao se deparar com uma bike nas ruas, agradeça, pois aquela pessoa poderia estar ocupando mais espaço em um carro.  Não por acaso, enquanto a publicidade vende a ascensão social atrelada ao automóvel, as peças publicitárias sobre carros são gravadas em estradas e ruas desertas.

Normalmente, nos deparamos com argumentos em prol da bicicleta no âmbito ambiental e de saúde individual dos seus usuários, porém a bike é capaz de proporcionar melhorias consideráveis também em escala social. Ela é certamente o veículo mais democrático que existe, pois não há limite de idade para pedalar, não é necessário habilitação ou qualquer documento específico, o preço é acessível e são baixos os custos de manutenção. Além de ser uma alternativa mais rápida e prática para os deslocamentos em horários com grandes congestionamentos: basta observamos o resultado das bicicletas em desafios intermodais.

Outro fator que qualquer usuário da bicicleta sente nas primeiras pedaladas é a sensação de liberdade ao se locomover e a maior interação entre ciclista e cidade. O ciclista é livre para observar, interagir mais com o entorno e conhecer novos caminhos, novas pessoas, notar as alterações urbanas constantes, como a reforma daquela velha praça ou aquele novo comércio no seu bairro, coisas que nem sempre são possíveis quando estamos parados no trânsito.

Apesar de uma implantação ainda tímida em muitas capitais brasileiras, as ciclovias já  estão consolidadas em diversas cidades pelo mundo, como em Copenhague, na Dinamarca, onde o clima extremamente frio durante o inverno não impede que cidadãos de todas as classes sociais prefiram locomover-se de bicicleta pelos mais de 400 quilômetros de ciclovias. Enquanto no Brasil existem mais aparelhos celulares que brasileiros, por lá o número de bicicletas é maior do que o de habitantes. O que talvez explique muita coisa.

Já em Nova Iorque, a implementação das vias exclusivas para bikes resultou na diminuição de mortes no trânsito e no aumento das vendas nos pontos comerciais próximos a elas. Mas, provavelmente, o local que mais pode servir de inspiração para as metrópoles brasileiras é Bogotá, na Colômbia. A cidade, também localizada na América Latina, e que sofre com os problemas comuns da região, possui quase 300 quilômetros de ciclovias em um relevo tão cheio de subidas e descidas quanto São Paulo.

Em terras tupiniquins, iniciativas como a da prefeitura de São Paulo já começam a dar resultado, apesar de poucos trechos da ciclovia serem no mínimo contestáveis, com mais buracos que asfalto e subidas insanas, o número de ciclistas dobrou em 2014, deixando claro que existia uma demanda de ciclistas reprimida pela falta de segurança que sempre foi pedalar em algumas ruas e avenidas da cidade.

A bicicleta é, há muito tempo, usada como meio de transporte nos bairros de periferia das grandes cidades, logo é fundamental que as estruturas cicloviárias conectem as regiões da cidade e principalmente a periferia ao centro, para que assim seja democratizado o acesso e exista uma outra opção de locomoção.  Apesar das fechadas constantes que recebemos no trânsito ao pedalar, certamente mais bicicletas nas ruas contribuem como redescoberta e apropriação do espaço público pelas pessoas e na formação de cidades mais humanas e menos neuróticas.

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vinicio-lira

Radialista, jornalista, filósofo de boteco e observador do mundo

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