A escola e o estupro

A Paraíba amanheceu nesta segunda-feira (18) com mais uma vítima de estupro. Desta vez, uma adolescente de 15 anos que saía de um evento musical de grande porte na cidade de Cabedelo foi abordada por dois homens e levada até a praia onde, junto com um terceiro homem que já os esperava, sofreu um estupro coletivo. A repercussão nas redes sociais não demorou e também não demoraram a aparecer os comentários mais desumanos: “se tivesse lavando louça teria evitado”, “já deve ter até piercing no umbigo e usado roupas curtas, pediu, né?”, são algumas das atrocidades veiculadas. Obviamente por um homem.

Sou homem. Não sei o que é sentir vergonha de sentar de pernas abertas, ter que tomar cuidado com a roupa que vou sair por medo de ser violentado, ter pavor de andar sozinho à noite numa rua escura. Meu corpo (externa e internamente, objetiva e subjetivamente) não será violentado como o corpo das mulheres. Mas sou ser humano, tenho a capacidade de me indignar com injustiças, opressões de qualquer tipo. Sou capaz de me compadecer com a dor de milhares de mulheres e homossexuais que pelo simples fato de ser quem são vivem uma violência cotidiana. A violência de escutar “piadinhas” sobre seu corpo, sobre seu jeito de ser, sobre sua sexualidade, sobre o que devem ou não fazer. É, não são piadinhas. Além disso sou professor, educador. Leciono a disciplina de biologia no ensino médio da rede pública de educação. É sobre isso que quero falar.

O estado da Paraíba consta no Mapa da Violência 2015 como um dos cinco onde mais se matam mulheres, a grande maioria por crimes domésticos, aqueles que reafirmam uma cultura de que a mulher é uma propriedade privada do homem. Como resolver essa situação? Com polícia? Colocando um policial em cada residência do Estado? Obviamente que não. A maioria das famílias reproduz a cultura do machismo e busca recriminar as filhas para que evitem vestir roupas curtas, para que tenham um comportamento dito “adequado”, culpabilizando sempre a vítima. Infelizmente é o que também acontece na escola.

Professores e professoras sempre se dirigem às mulheres para que se cuidem, para que tenham medo. Na grande maioria das vezes nenhuma palavra é dirigida aos homens. Até quando as mulheres vão ser culpabilizadas pela violência sofrida? É importante destacar dois elementos deste debate. O primeiro é de que este é, sim, um debate NECESSÁRIO para as escolas. Precisamos falar da violência contra as mulheres, precisamos debater sobre o machismo, precisamos discutir RELAÇÕES DE GÊNERO. É sobre isso que trata um dos pontos mais polêmicos do Plano Nacional de Educação que foi retirado pelos parlamentares da chamada “bancada evangélica”, é sobre isso que tratava o 3º Plano Nacional de Direitos Humanos. A falta dessa discussão nas escolas, nas universidades, nos cursos de formação de professores só perpetua esse cenário de violência e de medo para as mulheres.

É durante a adolescência que a maioria das pessoas tem sua iniciação à vida sexual. Por isso, este é um tema fundamental para a escola. O que vivemos durante gerações é uma educação que ensina as mulheres a ter medo ou se privar do que gostam em detrimento de comportamentos tidos como “decentes”. Todo mundo já escutou e alguns leitores provavelmente já reproduziram que “mulher de roupa curta tá pedindo pra ser estuprada ou pra receber agressões verbais na rua”. “Feche as pernas”, “aqui mulher não fala”, “miniaturas de vassoura e fogão para as meninas e carrinho para os meninos”, “mulheres são sentimentais e homens não choram”, “segure suas cabritas que meu bezerro tá solto”. Essas e tantas outras são vivências cotidianas na vida das mulheres. É urgente combater essa cultura do machismo. Mulheres são seres humanos assim como os homens e têm os mesmos direitos. E aqui entra o segundo elemento sobre o qual quero falar.

Além de debater relações de gênero na escola é necessário ENSINAR OS HOMENS A NÃO VIOLENTAR. Essa vivência masculina eu conheço bem. Crescemos escutando que devemos “pegar geral”, vendo vídeos pornôs na internet nos quais a função daquele pedaço de carne que chamamos mulher é nos dar prazer. Em nenhum momento nos é falado que mulheres devem sentir prazer, que elas também têm desejos, que podem “pegar” quem elas quiserem, afinal o corpo é delas. É essa educação (não apenas da escola, mas de todos os espaços sociais) que reproduz essa permissividade masculina opressora, também chamada de machismo, que faz com que os homens se sintam livres para agredir, estuprar e matar mulheres. É um sentimento de domínio sobre o corpo das mulheres. É sobre isso que nós professores devemos discutir quando debatemos relações de gênero na escola, é essa realidade que queremos combater.

Basta dar abertura para que uma estudante sinta confiança para relatar os casos de violência que já sofreu, as privações às quais é submetida todos os dias, falar sobre quem é obrigada desde pequena a lavar a louça e varrer a casa enquanto seu irmão assiste à TV. Mas as agressões sexuais são sempre recorrentes. Na escola, na igreja, nas festinhas com amigos. Em todos esses espaços há homens educados para violentar as mulheres. Esses homens em geral criam grupos de “whatsapp” só para homens para compartilhar pornografia, para comentar sobre as “carnes sem osso”.

É papel da escola debater essas questões, combater o machismo, a violência contra as mulheres. Só assim conseguiremos avançar na redução do número de casos de violência contra as mulheres, seja ela uma agressão verbal, assassinato ou estupro. Acontece todos os dias, todo dia uma mulher é morta pelo machismo. É papel da educação, de professores e professoras, formar uma nova geração de jovens que busquem superar essas opressões.

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felipe-baunilha

Professor da rede pública estadual da Paraíba e militante do Coletivo de Trabalhadores em Educação Profª Adélia de França.

Politicário

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3 comentários

  1. A educação é a melhor forma de freiar este mau secular desumano. Parabéns pelo texto!

  2. A escola é o melhor espaço de discussão de um tema que se tornou infelizmente, corriqueiro.Ver pela TV a cena de uma jovem em completo abandono num canto qualquer de uma rua, em estado de choque, trêmula, é algo que foge ao entendimento quando se trata de um mundo globalizado, conectado com a veloz informação.E preciso urgentemente discutir principalmente com jovens homens,…..com homens adultos, as manifestações de extrema violência para com as mulheres. Parabéns professor pelo texto.

  3. A ideia do machismo às vezes se perpetua até mesmo entre mulheres que apoiam que “tal coisa é de homem” ou que é “normal” o filho (homem) se comportar de forma promíscua. A reversão desse comportamento “masculinista” (que nem pode se dar ao luxo de ser considerado animalesco) é o primeiro passo, como você mesmo apontou. Lembro das famosas “buzinadinhas” nas ruas, lamentavelmente alastradas, e que considero um dos maiores desrespeitos praticados – violência mesma.

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