Rede Globo: Inimiga oficial do esporte brasileiro

Nesta semana dois eventos nas Olimpíadas chamaram atenção para uma constatação muito longe de ser inédita. Diz respeito ao poder, aliás, ao enorme poder da Rede Globo. São eles: 1 – Galvão Bueno (Globo) se irritou com Neymar e a seleção brasileira após o empate sem gols com o Iraque. 2 – A Globo teve seu pedido atendido pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) para que as partidas de vôlei fossem apenas após as suas novelas, o que gerou insatisfações por parte das jogadoras, uma vez que os jogos entram pela madrugada.

A Globo se irritar com a seleção brasileira é a Globo se irritando com ela mesma. É sabido o poder de influência que a TV Globo tem sobre a CBF, os meandros dessa relação promíscua a gente provavelmente nunca vai saber direito (é ilusão imaginar uma Comissão Parlamentar de Inquérito do futebol, a não ser que achem ali um motivo para incriminar Lula), mas a gente sabe, a gente sente o cheiro podre pelos frutos que o futebol brasileiro tem dado desde que essa relação vem se consumando nos últimos trinta anos ou mais.

O que antes era um esporte de paixão nacional, elemento maior do sentimento de identidade do brasileiro, a primeira imagem emulada de patriotismo (do pobre ao rico), tornou-se apenas uma evidência de algo que já foi, como um astro cósmico, cuja luz evidencia apenas o que já existiu, mas que agora é apenas poeira estelar. O futebol brasileiro é hoje apenas isso, poeira do que já foi, não mais aquela confortável área de consenso entre os mais variados grupos de classe, credo, cor e região, não mais a certeza de que éramos o país do futebol. Parece besteira ou exagero eleger o futebol como um elemento tão grande de unificação de um país, mas os mais respeitados estudiosos de nacionalismos e desse sentimento de pertencimento a uma nação, como os historiadores Eric Hobsbawm e Benedict Anderson, destacam a importância dos esportes nacionais, principalmente aqueles em que o país se sobressai e alcança reconhecimento no resto do mundo, como elemento de amalgama de um povo.

Evidente que as Organizações Globo sabiam o alcance que tinha o futebol para o país, não à toa, foi a maior beneficiada pelas concessões desde a época da ditadura (lembremos que a Globo apoiou o golpe de 1964) e, desde então, é quem dá as cartas do futebol brasileiro.

Nos últimos anos, é muito fácil perceber que, enquanto o futebol deixou de interessar-nos, o vôlei (feminino e masculino) cresceu no nosso imaginário como algo em que somos bons, um dos melhores do mundo. Daí que, assim como fez no futebol, estabelecendo os horários dos jogos para depois de suas novelas (ocasionando o esvaziamento dos estádios e a consequente perda de renda dos clubes brasileiros), a Globo repete a prática nas Olimpíadas com os jogos de vôlei, pressionando o COI para deixar as partidas após as suas novelas. “É cultural. É parte da vida. Não consigo imaginar o Brasil sem novelas”, justifica a diretora das Organizações Globo, Mônica Albuquerque, deixando bem claro que o que faz parte ou não da cultura do país é ela, a Globo, quem diz.

O mesmo comportamento voraz que destruiu o futebol brasileiro masculino se lança agora para o que resta, o vôlei. Não podemos, no entanto, nos esquecer do futebol feminino, ainda que o machismo nosso de cada dia nos faça parecer soar como prêmio de consolação. Mas se prevalecerem gestos como aquele do menino que riscou o nome de Neymar de sua camisa e colocou o de Marta, ainda temos esperança de que o futebol feminino nos encha tanto de orgulho como nos encheu as vitoriosas seleções de homens do passado. O lance é só torcer para a Globo não colocar aqui o seu “dedo de Midas” às avessas e transformar o que já é ouro em qualquer outra coisa.

victor-lustosa

Victor é humanista e historiador. De vez em quando esquece o fogão ligado, mas até agora ninguém morreu por causa disso.

Artecétera

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