28 jan
A dança ensina mais do que passos de dança e modos de mover. Ela ensina comportamentos, condutas, regras, estéticas e vontades. (VALLE & ICLE, 2014)
A dança de salão, por ser uma expressão cultural da sociedade, nunca esteve isenta de imprimir seus conteúdos cotidianos, com seus movimentos e posturas. É através do corpo que se estabelecem as diferenças sociais relacionadas a gênero, etnia, classe, sexualidade. São nos gestos, comportamentos e posturas que os corpos se diferenciam, configurando-se como local de inscrição de discursos e posicionamento social de sujeitos.
É exatamente através dessas ações sociais e disciplinares que são reproduzidas diferentes formas de utilizar os corpos masculino e feminino. As diferenças anatômicas entre os corpos de homens e mulheres são trazidas para as práticas sociais conformando aspectos culturais.
Apesar de a dança em geral ser tida como ambiente feminino, a dança de salão “permite”, de acordo com a norma sociocultural, a participação do homem, mas isso só se dá por ele ser colocado no seu papel socialmente aceito, ou seja, expressando características de força, coragem e virilidade, enquanto à mulher cabe a leveza, beleza e delicadeza. Portanto, a dança de salão mantém os lugares hegemônicos de gênero, sem, no entanto, articular um olhar crítico sobre isso.
Esses papéis são reafirmados pela condução na dança de salão, que consiste nos procedimentos pelos quais homem conduz/dirige a mulher durante a evolução dos passos dancísticos. Em outras palavras, o homem é aquele que dita a dança, que cria e se expressa artisticamente, enquanto a mulher deve ocupar uma posição de seguidora, sem poderes para propor movimentações ou interpretações na dança. Tais discursos são utilizados para justificar e perpetuar as condutas de gênero na dança de salão. Eles classificam as posturas e trejeitos característicos do homem – virilidade, razão, força e precisão – e da mulher – leveza, beleza, charme, elegância.
Há que se ter em vista, entretanto, que a Arte é um importante caminho de transformação e subversão das relações desiguais de poder, por isso acreditamos em uma nova forma de dançar a dois através da Condução Compartilhada. Nesse método, a mulher participa ativamente da composição e criação da dança, uma vez que ela também se torna condutora e propositora de movimentos. Consequentemente, a condução seria compartilhada entre homem e mulher de forma igual.
O objetivo é reinventar a dança de salão e substituir o modelo unilateral de comunicação estabelecido, no qual apenas o homem “fala” através da criação, proposição e condução, enquanto a mulher “responde” ao se deixar levar dócil, leve e sem criar qualquer resistência. Passaremos a constituir uma dança diálogo, onde ambos terão espaço para “falar” e “responder” igualmente, produzindo juntos danças mais ricas, envolventes, criativas e menos estereotipadas.
Através da Condução Compartilhada possibilitamos não somente a ampliação da participação artística da mulher na dança, mas também o desenvolvimento de maior sensibilidade no homem, que deverá mesclar ação (sua condução) com a resposta ao estímulo da dama. Dessa forma, haverá significativa ampliação de criatividade e um aumento exponencial de possibilidades.
Nesse caminho certamente haverá uma multiplicação dos movimentos, ampliando o exercício da criação. Pois, como ressaltam Valle e Icle (2014), “A pluralidade, a multiplicidade da criação é exercitar, em vários sentidos, nossa liberdade”. E, sobretudo, a reflexão sobre os lugares do masculino e do feminino na dança é fundamental para pensarmos outras estratégias de prática e ensino da dança de salão de forma a romper com os padrões culturais dominantes e utilizar, assim, a dança como veículo de igualdade de gênero e ampliação de possibilidades do corpo.
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