Gênero, dança e condução compartilhada

A dança ensina mais do que passos de dança e modos de mover. Ela ensina comportamentos, condutas, regras, estéticas e vontades. (VALLE & ICLE, 2014)

Aula de dança - condução compartilhada. Foto: André Castro.
Aula de dança – condução compartilhada. Foto: André Castro.

A dança de salão, por ser uma expressão cultural da sociedade, nunca esteve isenta de imprimir seus conteúdos cotidianos, com seus movimentos e posturas. É através do corpo que se estabelecem as diferenças sociais relacionadas a gênero, etnia, classe, sexualidade. São nos gestos, comportamentos e posturas que os corpos se diferenciam, configurando-se como local de inscrição de discursos e posicionamento social de sujeitos.

É exatamente através dessas ações sociais e disciplinares que são reproduzidas diferentes formas de utilizar os corpos masculino e feminino. As diferenças anatômicas entre os corpos de homens e mulheres são trazidas para as práticas sociais conformando aspectos culturais.

Apesar de a dança em geral ser tida como ambiente feminino, a dança de salão “permite”, de acordo com a norma sociocultural, a participação do homem, mas isso só se dá por ele ser colocado no seu papel socialmente aceito, ou seja, expressando características de força, coragem e virilidade, enquanto à mulher cabe a leveza, beleza e delicadeza. Portanto, a dança de salão mantém os lugares hegemônicos de gênero, sem, no entanto, articular um olhar crítico sobre isso.

Aula de dança - condução compartilhada. Foto: André Castro.
Aula de dança – condução compartilhada. Foto: André Castro.

Esses papéis são reafirmados pela condução na dança de salão, que consiste nos procedimentos pelos quais homem conduz/dirige a mulher durante a evolução dos passos dancísticos. Em outras palavras, o homem é aquele que dita a dança, que cria e se expressa artisticamente, enquanto a mulher deve ocupar uma posição de seguidora, sem poderes para propor movimentações ou interpretações na dança. Tais discursos são utilizados para justificar e perpetuar as condutas de gênero na dança de salão. Eles classificam as posturas e trejeitos característicos do homem – virilidade, razão, força e precisão – e da mulher – leveza, beleza, charme, elegância.

Há que se ter em vista, entretanto, que a Arte é um importante caminho de transformação e subversão das relações desiguais de poder, por isso acreditamos em uma nova forma de dançar a dois através da Condução Compartilhada. Nesse método, a mulher participa ativamente da composição e criação da dança, uma vez que ela também se torna condutora e propositora de movimentos. Consequentemente, a condução seria compartilhada entre homem e mulher de forma igual.

O objetivo é reinventar a dança de salão e substituir o modelo unilateral de comunicação estabelecido, no qual apenas o homem “fala” através da criação, proposição e condução, enquanto a mulher “responde” ao se deixar levar dócil, leve e sem criar qualquer resistência. Passaremos a constituir uma dança diálogo, onde ambos terão espaço para “falar” e “responder” igualmente, produzindo juntos danças mais ricas, envolventes, criativas e menos estereotipadas.

Através da Condução Compartilhada possibilitamos não somente a ampliação da participação artística da mulher na dança, mas também o desenvolvimento de maior sensibilidade no homem, que deverá mesclar ação (sua condução) com a resposta ao estímulo da dama. Dessa forma, haverá significativa ampliação de criatividade e um aumento exponencial de possibilidades.

Nesse caminho certamente haverá uma multiplicação dos movimentos, ampliando o exercício da criação. Pois, como ressaltam Valle e Icle (2014), “A pluralidade, a multiplicidade da criação é exercitar, em vários sentidos, nossa liberdade”. E, sobretudo, a reflexão sobre os lugares do masculino e do feminino na dança é fundamental para pensarmos outras estratégias de prática e ensino da dança de salão de forma a romper com os padrões culturais dominantes e utilizar, assim, a dança como veículo de igualdade de gênero e ampliação de possibilidades do corpo.

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carolina-polezi

Apaixonada por dança desde sempre e bailarina há mais de 15 anos. O envolvimento tranformou esse amor em profissão e agora busco novos caminhos para a prática da Dança de Salão.

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